Janteloven, em português “a lei de Jante”, é uma lei norueguesa não escrita, mas considerada uma forma de controle social no país. O termo apareceu pela primeira vez no romance de Aksel Sandemose “En flyktning krysser sitt spor” (Um fugitivo cruza seu caminho), publicado em 1933.
O livro narra a história de Espen Arnakke, assassino de John Wakefield. Arnakke discorre sobre sua vida na pequena cidade de Jante, desde sua criação até o momento em que se torna um assassino, tentando entender os mecanismos que o fizeram chegar a esse ponto. No fim, o julgamento cai sobre a intolerante sociedade de Jante, que fez de Arnakke a pessoa que ele se tornou. (sinopse retirada daqui)
Escrevo este texto para deixar de referência, já que mencionei o termo Janteloven anteriormente e, muito provavelmente, ainda mencionarei muitas vezes.
Janteloven – A lei de Jante
- Du skal ikke tro at du er noe (não pense que você é alguma coisa)
- Du skal ikke tro du er like meget som oss (não pense que você é tanto quanto nós)
- Du skal ikke tro du er klokere enn oss (não pense que você é mais sábio do que nós)
- Du skal ikke innbille deg du er bedre enn oss (não imagine que você é melhor do que nós)
- Du skal ikke tro du vet bedre enn oss (não pense que você é mais esperto do que nós)
- Du skal ikke tro du er mer enn oss (não pense que você é mais do que nós)
- Du skal ikke tro at du duger til noe (não pense que você é bom em nada)
- Du skal ikke le av oss (não ria de nós)
- Du skal ikke tro at noen bryr seg om deg (não pense que alguém se importa com você)
- Du skal ikke tro at du kan lære oss noe (não pense que você pode nos ensinar alguma coisa)
Essa lei descreve a essência do povo escandinavo. A Jantelov representa o jeito escandinavo de colocar a sociedade à frente do indivíduo, o que por um lado pode ser bom quando vemos como a população cuida do que é público, praticamente não há lixo nas ruas nem no mato, as praças, repartições públicas e vias públicas são um brinco, tudo limpo, sem pichações, mas, por outro lado, o indivíduo não tem espaço para fazer “sua estrela interior brilhar” (leia aqui a partir da “Pirâmide de Maslow” para entender melhor o que quero dizer). Isso afeta, compreensivelmente, a autoestima dos noruegueses. Quem aguenta crescer ouvindo, mesmo que indiretamente, coisas como “não pense que você é bom em nada”, “não pense que alguém se importa com você”, ou “não pense que você pode nos ensinar alguma coisa”?
A primeira vez que me deparei com o termo e com os dez itens da lei de Jante, há quase oito anos, fiquei com um grande ponto de interrogação na cabeça. Crescendo vendo um monte de gente que se achava melhor que os outros através do racismo estrutural e todas as diferenças sociais que todo mundo já viu no Brasil, pensei de verdade que o significado de Janteloven era uma coisa boa. Que faria a sociedade menos desigual.
Estávamos discutindo o termo na aula de norueguês e fui a única na sala inteira a achar que era algo positivo, enquanto os outros alunos, todos alemães, só pra contextualizar, se viram chocados com a minha opinião. E eu lá, sentada no meio da sala com ainda mais pontos de interrogação sobre a minha cabeça. O que eu não estava entendendo, afinal?
Janteloven na prática
Pouco tempo depois me mudei de vez para uma cidade no interior da Noruega e comecei a entender na prática o significado da Jantelov. Percebi que havia, sim, linhas invisíveis controlando o comportamento das pessoas, que todos se vestiam igual, se comportavam igual, comiam as mesmas coisas, do mesmo jeito, e se você saísse um pouco fora era considerado estranho. É óbvio que são apenas amarras sociais, ninguém te xinga ou te mata por se vestir diferente, ou por celebrar feriados nacionais do seu jeito, ou ainda por comer outra coisa que ribbe (costela de porco) ou pinnekjøtt (costela de ovelha) no Natal, mas você percebe sim o olhar de reprovação, te perguntando, sem palavras, “por que você acha que pode fazer isso?”.
Eu me deixei afetar até demais por esses olhares de reprovação, até que com o tempo fui compreendendo a cultura norueguesa e o porquê das pessoas se comportarem assim. Aprendi a não me deixar afetar por isso, simplesmente finjo que não vejo. Percebo que a grande maioria dos noruegueses tem consciência do termo Janteloven, mas apesar de reparar que os mais novos nunca ouviram falar do termo em si, eles ainda sofrem do mesmo jeito com a pressão de terem que caber na caixinha do correto.
Conheço gente aqui que sofre, por exemplo, por não saber ainda o que quer da vida e se sente pressionado pela família para sair de casa logo e ser independente, e olha que a pessoa acabou de fazer 19 anos; tem também aqueles que não têm a menor vontade de aprender a dirigir mas não param de ouvir de suas famílias que já passou da hora de tirar carteira de motorista, é aquele evig mas (em port.: uma eterna encheção de saco)… pois é.
Como mencionado anteriormente aqui no blog, essas são as minhas impressões vivendo numa cidade norueguesa pequena, não faço a menor ideia de como é viver numa cidade grande, pois onde há mais gente, há, consequentemente, mais diversidade e, acredito eu, tolerância. Se você não percebe esse tipo de coisa na sua cidade aqui na Noruega, por favor, compartilhe aqui.
Anti-Janteloven
Como muita gente tem consciência do termo Janteloven e não concorda com ele, surgiu um antídoto, chamado de Anti-Janteloven, escrito por Erling Førland. Contudo, ele afirma que o uso descontrolado da anti-Jantelov pode deixar a pessoa muito egocêntrica, o que não deixa de ser verdade, então é bom encontrar um equilíbrio.
Acredito que devemos conhecer e reconhecer nossos talentos, não necessariamente pra ficar jogando na cara dos outros a todo momento, mas para que, dessa maneira, começamos a gostar de quem a gente é. Não dizem por aí que o primeiro amor verdadeiro é o amor-próprio, e que quem não se ama não tem capacidade de amar outra pessoa? Então faça um favor a si mesmo e ao planeta: se ame. Se conheça. Aprenda sobre o que você é bom e reconheça suas fraquezas, não para mudá-las por completo, mas apenas para compreender seus limites.
Veja só a Anti-Janteloven:
- Du er enestående (você é único)
- Du er mer verdt enn noen kan måle (você vale muito mais do que alguém pode medir)
- Du kan noe som er spesielt for deg (você sabe fazer algo que é único seu)
- Du har noe å gi andre (você tem algo para dar aos outros)
- Du har gjort noe du kan være stolt av (você fez algo de que pode se orgulhar)
- Du har store ubrukte ressurser (você tem grandes recursos inutilizados)
- Du duger til noe (você é bom em alguma coisa)
- Du kan godta andre (você pode aceitar outras pessoas)
- Du har evne til å forstå og lære av andre (você tem a capacidade de entender e aprender com os outros)
- Det er noen som er glad i deg (alguém ama você)
E aí, já tinha ouvido sobre o termo Janteloven? E com qual você se identifica mais, com a Jantelov ou a anti-Jantelov?
Eu me identifico mais com a Anti-Jantelov! 😛
8 comentários
[…] do lado de fora. A busca pela fama, no entanto, não é tão almejada pelo norueguês, por causa da Lei de Jante (Janteloven), uma “lei não escrita” que diz que você não deve pensar que tem algo de especial, nem que […]
Assim como você, a Janteloven também me deixava com a pulga atrás da orelha. Amei saber que tem um movimento contrário. A individualidade não necessariamente é algo ruim! Ela só se torna ruim quando fere o direito do outro (pelo menos é o que eu acho). Também sou Team anti-janteloven!
Concordo com você, isso me lembra a kardemmomelov, lembra que eu comentei no post sobre o interior da Noruega? “Du skal ikke plage andre, du skal være grei og snill, og forøvrig kan man gjøre hva man vil!”.
Essa lei nada mais e nada menos que feita para favorecer o racismo, invejosos, caluniadores! Popularmente conhecida com o nome bullying! Quem inventou essa lei è um maluco lunatico! Na teoria são frases bonitas! Mas vem morar aqui que voce vai ver o que tem de gente maluca que segue isso! So aguenta se tiver paciêcia!
Realmente, na teoria é algo bonito, já na prática só deixa as pessoas miseráveis, deprimidas.
Acho que eu reformaria somente os itens 7 e 10, pois eles matam qualquer forma de inovação para a coletividade.
Me lembrei hoje que há mais ou menos uns 8 anos me deparei com essa palavra e quase tatuei ela 😄
Na época, adorei o desdém pelo “estrelismo” em favor ao coletivo e, radical como era, vi Jantenloven como uma lei cultulral exemplar que poderia ser um antídoto ao proconceito, à ganância e à corrupção.
Fui buscar essa palavra hoje e me deparei com esse excelente texto que expõe o lado feio de levar essa lei à risca e inclusive me conectou à cultura do interior do meu estado (Minas Gerais) onde cada ação ou característica diferente do estatus quo é visto com asco, como algo a se decepcionar.
Obrigada pelo comentário, Guilherme! Que bom que o tempo passa e a gente vai vendo as coisas de maneira diferente, né? 😄