Semana passada saiu a notícia de que a ABC-klinikken, a Clínica de Parto Natural do Hospital da Universidade de Oslo (Oslo Universitetssykehus), não funcionará aos finais de semana a partir de 18 de novembro de 2022, com duração de seis meses, por não ter jordmødre (enfermeiras especializadas em partos, parteiras) suficientes.
Há alguns meses, compartilhei aqui a ótima experiência que tive no meu parto feito na Noruega, e também escrevi um post sobre tudo relacionado à gravidez, ao parto e ao puerpério no país. A Noruega é conhecida por ser um dos melhores países do mundo para ser mãe/parir, por isso acho interessante e importante compartilhar o outro lado da história também, ou seja, alguns problemas enfrentados por gestantes aqui, que quem é de fora pouco ouve falar.
Clínica liderada por parteiras
A ABC-klinikken, abreviação do inglês Alternative Birth Care, é uma clínica focada em parto natural, ou seja, que não utiliza qualquer substância para aliviar a dor da mulher, e oferece a opção de parir na àgua. A clínica é como uma fødestue, isto é, destinada às gestantes sem problemas de saúde que desejam um parto natural, e é composta e liderada por uma equipe de parteiras. Em seus dias de glória, a clínica efetuou cerca de 1000 partos por ano, mas, em 2019, uma vaga de parteira foi excluída, o que fez com que a capacidade da clínica diminuísse bastante.
Por causa disso, as parteiras que continuaram acabaram se sentindo sobrecarregadas, necessitando correr entre uma parturiente e outra, para conseguirem dar conta da carga de trabalho. E, agora, pela falta de parteiras, pois muito provavelmente as que restaram não aguentaram a pressão e largaram o emprego ou se afastaram através de uma licença-médica, a clínica ficará fechada aos fins de semana por seis meses.
De acordo com um artigo publicado no VG dia 12/11/22, a comentarista Shazia Majid diz que as parteiras norueguesas não aguentam mais a situação e por isso metade de todas as parteiras do país pretendem largar o emprego, enquanto menos e menos mulheres desejam se tornar parteiras.
A notícia do fechamento da clínica conta a situação de Vilde Bratland Hansen (28), mãe de primeira viagem e jornalista do Aftenposten, que espera a chegada de seu filho, Benjamin, em cerca de três semanas.
Na Noruega, toda gestante já fica sabendo logo no início da gravidez em qual hospital/clínica ela dará à luz. Geralmente é o hospital mais perto da sua residência, mas, em cidades maiores, como a capital Oslo, onde há mais opções, a gestante pode escolher o lugar que mais lhe convém.
Vilde acabou optando pela ABC-klinikken do Hospital da Universidade de Oslo, por querer ter um parto o mais natural possível, ou seja, sem aplicação de anestesia ou qualquer outro tipo de medicamento. Ela vem há meses se preparando para este momento tão intenso, que muitas mulheres consideram como sendo o exercício e momento mais difícil de sua vida.
Agora, um dia após o início de sua licença maternidade, que na Noruega se inicia, obrigatoriamente, três semanas antes da data prevista do parto, ela recebeu uma carta do hospital avisando que, por não ter parteiras suficientes, a clínica não funcionará aos finais de semana. Em outras palavras, se Vilde entrar em trabalho de parto entre 12h de sexta e 7h30 da manhã de segunda, ela deverá se dirigir a outro hospital.
No fim das contas, quem sofre é a gestante
“Qual o problema?”, você deve estar se perguntando, já que, a princípio, ela terá a opção de parir em outro hospital. O problema é que muitas gestantes da região de Oslo já experienciaram chegar ao hospital com contrações e serem enviadas de volta para casa, ou para outro hospital mais distante, pois o hospital estava cheio. Nesses casos, a dilatação estava no início e, em teoria, poderia demorar horas até o nascimento.
Contudo, há mulheres que dão à luz em curtíssimo tempo, coisa de 2h ou menos entre a bolsa estourar e o neném nascer. E aí, como fica? Parir no carro? Parir em casa? Muitas mulheres no mundo passam ou já passaram por isso, mas eu não conheço absolutamente nenhuma mulher que esteja totalmente de boas em parir sozinha hoje em dia, seja no carro ou em casa, não importa se é na Noruega ou no Brasil.
No caso de Vilde, sua preocupação é ter se preparado a gestação inteira por um parto natural, chegando até a frequentar, junto com seu parceiro, um curso preparatório para este tipo de parto, e, quando a hora finalmente chegar, pode correr o risco de ser enviada para um hospital com uma equipe que não tenha a mesma visão, fazendo com que, no fim, possa não ter a experiência que almeja para o parto de seu primeiro filho.
Em entrevista ao jornal VG, Vilde diz que “primeiramente, me sinto com raiva e frustrada. Já li muito sobre isso antes, mas é bem ruim quando isso acontece justamente com você. Não estou frustrada com as parteiras, mas com o fato de que a saúde da mulher não é levada a sério”.
A Noruega necessita de muitos nascimentos para conseguir manter o sistema de bem-estar social adiante, e a situação é tão séria que, em 2019, a primeira-ministra da época, Erna Solberg, chegou a pedir, em seu discurso de Ano Novo, que a população norueguesa fizesse mais filhos. A ministra da saúde do governo atual, Ingvild Kjerkol (Partido Trabalhista), ainda não se pronunciou sobre o fechamento da ABC-klinikken aos finais de semana.
Ainda na entrevista para o jornal VG, Vilde ressalta que se sente com muita sorte por poder dar à luz num país como a Noruega, só que as coisas estão indo na direção errada quando a oferta diminui ou piora. “Os políticos dizem para termos mais filhos, mas não há nada em suas políticas que sugira ser uma boa ideia”.
Ela aponta que o estado acaba economizando ao garantir um bom acompanhamento no parto, e agora pede melhores salários e condições de trabalho para as parteiras.
“Acho que isso cabe aos políticos. Algo precisa ser feito sobre o assunto nas instituições de saúde e afastar a mentalidade de que tudo no sistema de saúde deve ser mais eficiente. Se há uma coisa que não pode ser mais eficiente é dar à luz e estar de licença maternidade.” Concordo em gênero, número e grau com ela.
Na Noruega, o paciente é só um número no sistema
Eu estou preparando um texto sobre os lados positivos e negativos do sistema de saúde da Noruega. Já ouvi muita discussão, principalmente no Brasil, de que a privatização da saúde é muito ruim, pois tudo gira em torno de lucro e o paciente nada mais é do que um número no sistema.
Na Noruega, os hospitais são todos públicos, há poucas clínicas particulares comparando com o Brasil, mas todo hospital norueguês é, legalmente falando, uma empresa da saúde (helseforetak), com verba anual, cargos de liderança, metas a cumprir e sempre tentando efetivizar tudo, ou seja, sempre tentando cortar gastos. Querendo ou não, quem acaba “pagando o pato” é o paciente, que acaba sendo tratado como apenas um número no sistema.
Diversos hospitais estão sendo mesclados, o que implica que pacientes terão que se locomover por longas distâncias para se tratar, ou, no caso das gestantes, para parir. Em Oslo, por exemplo, está planejado a desativação do Hospital Universitário Ullevål (Ullevål universitetssykehus), mas, em contrapartida, haverá a construção de dois novos hospitais que ficarão prontos em 2031. Pode parecer uma ótima ideia, mas ficou decidido que a ABC-klinikken deixará de ser uma unidade própria para se integrar à ala da maternidade “comum” de um dos novos hospitais, que reunirá todas as presentes unidades do Hospital da Universidade de Oslo em um só lugar.
Além disso, é prática comum hoje em dia a mulher poder ficar hospedada no hospital por três dias após o parto, para ter certeza de que está tudo bem com a mãe e o bebê, e que a amamentação está indo bem. No entanto, no novo hospital, planeja-se que a mãe e o bebê serão enviados para casa após apenas um dia pós-parto, o que tem causado muita revolta e frustração em muita gente. Vira e mexe se vê casos de mulheres que deram à luz no carro a caminho do hospital, o último que eu li foi ontem, inclusive.
Afinal de contas, como mencionado anteriormente, o país necessita de mais bebês para conseguir manter o sistema de bem-estar social, e o sistema de saúde norueguês não é financiado apenas através dos lucros da produção de petróleo, mas também através dos impostos altíssimos arrecadados das mulheres e homens que residem no país. O mínimo que se pode exigir de volta é cuidado e atenção para as mães e os bebês, e evitar, pelo menos, que os futuros cidadãos nasçam num carro, sem qualquer tipo de assistência, é ou não é?