Se você está pensando em se mudar para a Noruega e tem dúvidas se morar no interior do país é uma boa ideia, então continue lendo pois vou compartilhar vários aspectos sobre viver numa cidade pequena neste país do norte da Europa.
A Noruega, ao contrário do Brasil, tem a população espalhada por praticamente todo o território, a não ser, literalmente, nos topos das montanhas, porque até na montanha tem gente morando. Ao pegar estrada aqui, você não passa muito tempo sem ver uma casinha aqui e ali, já no Brasil é normal quilômetros e quilômetros de floresta, mato, sem um sinal sequer de atividade humana, né?
Um ponto interessante é que, no Brasil, uma cidade de 50 mil habitantes é considerada pequena, mas sabia que na Noruega isso é uma cidade de um porte considerável? A cidade administrativa do condado onde resido, Hamar, possui pouco mais de 30 mil habitantes (2017). Isso seria o equivalente a uma capital federal no Brasil. A cidade onde resido possui menos de 6 mil habitantes, e, confesso, levou um tempinho pra eu me adaptar a esse estilo de vida mais rural, especialmente depois de ter saído de uma cidade de mais de 3 milhões de habitantes, com tudo disponível a qualquer momento. No interior da Noruega, as coisas são bem diferentes. Veja só:
Poucos jovens e crianças, muitos aposentados
Em países desenvolvidos, a expectativa de vida é bem longa, ao mesmo tempo em que a taxa de natalidade não é tão alta assim. Se tem um lugar onde esse fenômeno é fácil de ver é aqui no interior da Noruega (em Oslo e cidades maiores, nem tanto). No Brasil, é comum ver crianças de todas as idades na rua, não importa se é dia, tarde, início da noite, dia comum ou final de semana: há crianças brincando em praças, tomando sorvete na rua, etc, não importa a estação. Se não estão com algum familiar (geralmente a mãe), estão com a babá.
Aqui quase não se vê crianças, e, quando se vê, são pouquíssimas. Geralmente é porque tem um evento infantil por perto, ou porque os pais têm dia de folga e não levam os filhos na creche. Mas mesmo assim, é raro ver crianças andando na rua, quando vejo é porque eles estão saindo da escola – poucos caminham, alguns vão de bicicleta e a maioria vai de ônibus escolar. Durante o dia elas estão ou na creche/escola, ou com os pais dentro de casa. É realmente muito raro ver uma criança andando por aí em horário escolar. Se você não está na escola é porque provavelmente você está doente, e crianças doentes não andam por aí.
Também é uma raridade ver jovens (entre 18-30 anos): no interior não há curso superior, por isso é muito grande o fluxo de jovens para as cidades maiores depois de concluir o ensino médio. As cidades pequenas parecem vazias, o que nos leva ao segundo tópico…
Quase não se vê gente na rua
As cidades parecem vazias pois quase não se vê gente caminhando nos passeios ou nas ruas, só se vê carros (e tratores). Pessoas em idade economicamente ativa estão no trabalho durante o dia, as crianças e jovens estão na escola, então quem frequenta lojas, cafés, centros comerciais são os idosos. Os únicos “jovens” (entre 20-60 anos) que você vê passeando em horário comercial estão de licença-maternidade, de licença-médica ou estão com dia de folga do trabalho/desempregados.
Além disso, as pessoas no interior tem um estilo de vida muito previsível. Depois das 15h-16h, as ruas, que já eram vazias, se tornam literalmente desertas, e os centros comerciais ficam às moscas. E isso é estranho até mesmo para os noruegueses que vivem em cidade grande. Eu percebo na hora quando alguém é de fora porque eles chegam e falam “nossa, como está vazio aqui, cadê todo mundo?”, aí eu explico: “aqui é assim, deu 4 da tarde todo mundo já saiu do trabalho e está em casa fazendo o jantar”. Os noruegueses jantam muito cedo, geralmente entre 15h e 17h. Uma vez fui convidada para uma visita às 14h da tarde, achei que me serviriam um café, pois avisei que tinha um compromisso às 16h (que era um jantar, de fato) mas não é que me serviram jantar às 14h também? Quase explodi nesse dia de tanto comer. 😛
Muita natureza, fazendas e casas em tudo quanto é lugar
Um aspecto interessante ao viajar pelo interior da Noruega é ver que há casas em tudo quanto é lugar, até nas montanhas, como na imagem acima. Se você reparar bem, algumas dessas construções são enormes, parecem pequenos edifícios com várias janelas. Só que não são edifícios residenciais, são celeiros. As fazendas aqui não são tão grandes como as no Brasil, e, por causa do clima, os animais vivem praticamente o inverno inteiro nos celeiros.
É normal famílias trabalharem sozinhas cuidando dos animais e do(s) pasto(s), assim como também é normal ver tratores sendo usados como meio de transporte pela cidade. Como as pessoas moram em tudo quanto é lugar, longe de tudo e todos, é comum ver meninos e meninas (juro que já vi) dirigindo tratores para ir e voltar da escola, já que a idade para tirar habilitação para dirigir trator é 16 anos. Tem até um programa na TV norueguesa, no ar desde 2002, que se chama “Ali onde ninguém poderia imaginar que alguém poderia morar” (Der ingen skulle tru at nokon kunne bu), mostrando justamente lugares no meio do nada onde as pessoas vivem e muito bem. Por isso não se assuste, é bem normal mesmo.
Falta de transporte público
Como de se esperar, em cidades pequenas não há linhas de ônibus entre os bairros, na verdade há um sim, que é a linha do ônibus escolar, então se você quiser ter liberdade, é necessário ter um carro. Há, pelo menos, transporte público entre cidades, tanto trem como ônibus, mas são poucos horários disponíveis. Se você perdeu o ônibus, prepare-se para esperar mais 1, 3, ou até mesmo mais de 5 horas pelo próximo.
Por causa disso, é muito raro ver pessoas caminhando por aí, tanto no verão quanto no inverno. A grande maioria tem carro, e aqueles que não têm não o possui geralmente por motivos médicos ou legais, ou é um imigrante recém-chegado que não tem dinheiro suficiente para adquirir a licença para dirigir e comprar um carro (como quase tudo na Noruega, tirar carteira de motorista aqui não é barato e cada de aula de direção sai por cerca de 450-650 kr (1 kr = R$ 0,64). De vez em quando vejo pessoas que moram no centro e podem se locomover de bicicleta, mas são raridade.
Poucas opções de lazer, lojas e serviços
Se você gosta de visitar restaurantes, conhecer cafés/bares novos, sair para beber no fim de semana e voltar lá pelas 5h, bater perna em shopping ou ir ao cinema toda semana, morar no interior da Noruega vai ser muito, muito chato pra você. São poucos restaurantes, bares fecham no máximo às 2 da manhã e não há lançamento de filmes toda semana, isso quando você tem a sorte de viver numa cidade com cinema.
O inverno é uma temporada mais quieta, sem grandes eventos para quem não curte esquiar, mas assim que o tempo começa a esquentar as coisas mudam um pouco e vários eventos surgem por aí, especialmente ao ar livre (mas quando escrevo isso, em meio à pandemia do Covid-19, muitos dos eventos do verão 2021 já estão sendo cancelados).
Muita calmaria/sensação de paz
O lado bom de morar numa cidade pequena, com poucas pessoas, é que tem muita natureza, como citado no terceiro item. É tudo muito calmo, uma sensação de paz muito grande mesmo. Praticamente não há trânsito, a não ser que tenha algum evento e literalmente todo mundo vai.
Nada demora, se você precisa ir ao banco, pegar encomenda nos correios, você espera por no máximo uns 10-15 min pela sua vez, caso você tenha que esperar, muitas vezes nem tem ninguém na fila e você é atendido de primeira. Também quase não tem fila de supermercado, a não ser por volta das 15-16h, quando todo mundo sai do trabalho ao mesmo tempo, mas é muito raro fazer compras para o mês, como é comum no Brasil. Por isso, mesmo se você tiver que esperar, vai ser rápido (e ainda tem o benefício dos caixas de autoatendimento, o que é uma beleza se você está com pressa).
Custo de vida menor do que em cidades maiores
Outro lado bom de se morar no interior é que o custo de vida é incrivelmente menor. Oslo, a capital do país, tem um dos custos de vida mais altos do mundo, só o aluguel lá pode consumir toda a maior parte da sua renda. Olhando no finn.no, um apartamento de 66 m² com 3 quartos, na região leste (a mais em conta, conhecida como a região dos imigrantes) não sai por menos de 14.000 kr por mês. Olhando numa região mais central, uma kitnet de 21 m², voltada para estudantes, sai por 9.000 kr. Em Hamar, cidade infinitamente menor do que Oslo, com 30 mil habitantes, encontrei um quarto de 9 m² para alugar por “apenas” 6.000 kr.
Já no interior, uma kitinet de 20 m² custa 2.500-3.000 kr. Olhando aqui onde eu moro, encontrei uma casa de 210 m², com 4 quartos e 3 andares, mas meio afastada, por 11.000 kr (e olha que é do lado que bate sol, um must por aqui). Também achei um apartamento de 110 m² com 3 quartos, no centro da cidade, com creche e escola ao lado e com a possibilidade de caminhar para tudo quanto é lado, ou seja, você ainda economiza por não ter necessidade de carro, saindo a 8.500 kr por mês.
Alugar uma casa em Oslo não sairia por menos de 20.000-25.000 kr por mês, numa região onde em teoria as pessoas não querem morar, numa área industrial (Alnabru, na região leste). Nessa busca, só por diversão, encontrei uma mansão de 303 m² em Oslo, mas com um jardim minúsculo, no bairro mais caro da cidade (Frogner, mesmo bairro da Embaixada do Brasil em Oslo, rs), por nada menos do que 60.000 kr por mês. Com esse dinheiro eu pagaria minhas contas de vida no interior por meses, literalmente.
Não há médicos/clínicas particulares
No interior, todo o sistema de saúde é público e ao se mudar para cá você recebe uma carta informando qual o seu fastlege, conhecido popularmente como médico da família. Se por alguma razão você não gostar do atendimento, você pode mudar de médico por até 2 vezes ao ano, mas há longas filas de espera. Caso tenha um problema de saúde, você primeiro consulta com o seu médico, e, se necessário, ele te indica a um especialista, o que pode demorar meses até você conseguir consulta. Se quiser um médico particular, você precisa viajar até uma cidade maior e desembolsar um valor muito maior do que o pago no sistema público (que não é de graça).
Também não há hospitais, somente clínicas no interior, então caso tiver um problema mais grave terá que contar com viagens. O hospital mais perto de onde vivo está a 1h de distância, mas nos últimos anos tem tido uma enorme discussão se ele seria desativado e fundido com outro hospital da região, localizado a 2h de distância. O que são 2h de distância quando você precisa parir, não é mesmo? Ou porque teve um infarto, um derrame, ou outro problema emergencial (estou sendo irônica, tá?). A centralização da Noruega continua, enquanto outros reclamam que as pessoas estão se mudando do interior.
Bygdedyret – a fofoca do lado de cá
Você deve imaginar que viver num país de primeiro mundo significa que você pode ser quem você quiser, que ninguém está nem aí pra você, e que até de pijama você pode ir no supermercado que ninguém liga. Pode até ser verdade nos EUA, mas na Noruega, principalmente em cidades pequenas, não é assim não, viu. Vão falar de você, e muito.
Aqui existe um jeito certo de ser, a tal da janteloven (a Lei de Jante). Em resumo, essa lei, que não é uma lei de verdade, mas sim uma “lei não escrita”, diz que você não deve pensar que tem algo de especial, nem que você é melhor que ninguém, muito menos pensar que sabe mais, ou que pode ensinar alguma coisa a alguém. Isso quer dizer que os noruegueses são muito conformes, isto é, eles têm muito medo de sair “do normal”. E se você é corajoso o suficiente para sair da norma, se prepare que você vai ser o assunto da vez.
Essa fofoca é chamada de bygdedyret (bygde = vila, cidade do interior; dyret = o animal, a criatura). Seria um correspondente do “um passarinho me contou”, é uma criatura que ninguém nunca viu, mas que passa as fofocas informações de boca em boca. Seja diferente, em qualquer aspecto, e, mais cedo ou mais tarde, vão falar de você.
A Noruega pode parecer muito progressista em vários temas, como direitos iguais, principalmente para os LGBT. O país é o sexto no mundo a reconhecer e aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (2009), mas no interior da Noruega o bullying é forte. Conheço pessoas assumidamente gays que sofreram muito ao crescer em cidades pequenas, e que na primeira oportunidade saíram de suas cidades natais, já tem anos que não voltaram. Muito triste, mas infelizmente acontece.
Exclusão social
Por causa da janteloven e do bygdedyr, é, lamentavelmente, muito comum a exclusão social. Isso eu percebo principalmente em crianças. Na escola, ser um pouquinho diferente já é motivo para ser zoado. Se você não gosta das mesmas coisas, se não se veste igual à sua turma, você é excluído. E aqui, onde todo mundo conhece todo mundo e só há uma escola infantil, uma de ensino fundamental e uma de ensino médio, se você sofre bullying não é só te tirar de uma escola e colocar na de outro bairro. Você e sua família precisariam mudar de cidade. No Brasil, se você tem problemas na escola, você brinca ali com as crianças da rua, com seus primos, sei lá, eu tenho a impressão que a gente conhece mais gente no Brasil, temos diferentes círculos. Na Noruega não.
Parece que tudo é uma panelinha, até com os adultos. Nos grupos de amigos na escola, há sempre um líder, que manda/desmanda nos outros. Ele/ela decide com quem você pode conversar e brincar, como se vestir, do que gostar. Também já vi isso acontecer não só entre os alunos, mas entre os próprios pais dos alunos, nas reuniões e atividades escolares, eles formam grupinhos e excluem os outros, que não se encaixam por esse ou aquele critério (não ter casa própria, não ter trabalho e receber ajuda do governo, etc). Até que não é tão estranho de se pensar, pois se os alunos fazem isso com os colegas é porque provavelmente aprenderam em casa com os pais, né?
Eu não concordo com essa atitude de excluir os outros por motivos fúteis, acho que toda pessoa é um indivíduo com liberdade para se expressar, contanto que não parta pra violência física. O engraçado é que as crianças norueguesas aprendem uma canção com uma mensagem muito bonita, que termina assim:
“Du skal ikke plage andre, du skal være grei og snill, og forøvrig kan man gjøre hva man vil*”
(Não incomode os outros, você deve ser decente e gentil, assim você poderá fazer o que quiser)
Não é estranho?
*Essa frase é conhecida como kardemmomeloven (lei do cardamomo), e a música em que ela aparece se chama Politimester Bastians Vise (canção do chefe de polícia Bastian).
Poucas vagas de emprego
No interior da Noruega, há pouquíssimas vagas de emprego, por essa razão há poucos jovens aqui. A maioria sai para estudar, já que não há curso superior, e acabam ficando em cidades maiores, onde há mais oportunidade de emprego. Escolher viver no interior significa que você vai ter que aceitar o que estiver sendo ofertado, até surgir a oportunidade do emprego dos seus sonhos – mas aí se prepare para concorrer com todo mundo que teve a mesma ideia que você.
É muito importante ter carteira de motorista no interior da Noruega, pois isso aumenta suas oportunidades na busca por emprego. Se não tem vagas na sua cidade, o que você faz? Você não desiste, você procura por emprego nos municípios vizinhos. É bastante comum morar num município e trabalhar em outro. Portanto, se você não gosta de dirigir, ou tem medo, não deixe para perder o medo quando chegar aqui. Além de atrasar sua possibilidade de pegar vagas em outras cidades, pois não dá pra contar com transporte público, você ainda gasta uma fortuna pagando instrutor de autoescola (aprendi por experiência própria). Aprenda a dirigir no Brasil que sai bem mais em conta.
Conclusão
Apesar de ter algumas impressões não tão boas, eu, particularmente, gosto muito de viver no interior. Se você, assim como eu, é uma pessoa que gosta de uma vida mais pacata, com mais contato com a natureza, então morar no interior da Noruega pode ser uma ótima ideia.
Se você não gostou do que escrevi, ou caso você também mora em algum canto do interior da Noruega e tem uma impressão completamente diferente da minha, por favor, deixe um comentário expressando seu ponto de vista. Eu tenho consciência de que só porque eu vejo as coisas de uma forma não quer dizer que elas são assim.
Desse modo, não tome os tópicos aqui mencionados como verdade absoluta. Este post não tem a intenção de te fazer desistir de vir para a Noruega, ou melhor, para o interior da Noruega – muito pelo contrário, minha intenção é tentar ser o mais transparente possível para que isso te ajude a decidir, a entender o outro lado e perceber se morar no interior é realmente a melhor opção pra você. Nem todo mundo se adapta a essa vida de cidade pequena, pra mim foi um choque sair de uma cidade de mais de 3 milhões de habitantes no Brasil, onde eu era anônima, e vir para uma cidade onde todo mundo sabe quem eu sou, mesmo sem querer.
E aí, será que o interior da Noruega é pra você?
8 comentários
Muito bacana saber aprender sobre e o byggdedyr e ficar por dentro da janteloven norueguesa. Riquíssimo o post, adorei!
Muito obrigada, fico feliz de saber que você gostou 😀
[…] Noruega, dizer só “oi” e continuar andando é totalmente aceitável. Imagine viver numa cidade do interior, onde todo mundo conhece todo mundo, literalmente. Você não iria fazer nada da sua vida se você […]
SEU POST É OTIMO, tenho estudado a cultura e a língua norueguesa. Tenho a intenção de mudar para a Noruega com minha família. Espero conseguir um dia.
Que bom que gostou do post, Zuldisson! Boa sorte nos preparativos da mudança e é só nos contatar caso tenha alguma dúvida.
[…] vir para a Noruega, é importante saber que a vida no interior é completamente diferente da vida a vida no interior é completamente diferente de cidades maiores maiores, como Oslo, Bergen, Trondheim, Drammen, Stavanger, etc. Pesquise […]
Thanks for your blog, nice to read. Do not stop.
[…] na Noruega eu sinto uma sensação de paz que nunca senti antes. Como moro no interior, aqui tem pouco tráfego e nunca preciso me estressar em pegar […]